vestido de noiva
Aconteceu na véspera de Shabat antes do casamento. A noiva e sua mãe estavam brigando pelo vestido que a noiva iria usar.
Sua mãe já havia resolvido, há muito tempo, que a tradição deveria continuar e que ela tinha que se casar com o vestido de noiva da própria mãe.
Mas a filha bateu pé, esperneou, começou a chorar e disse que queria um vestido só seu. Havia visto no mercado um que não conseguia sair do seu pensamento.
A mãe começou a se irritar com a teimosia da filha e, como eram pobres, sabia que o vestido iria custar muito caro, bem acima do que podiam gastar.
Mas não houve jeito e a mãe, irritadíssima e zangada falou: “Então vá para o Diabo!!” E foi-se embora, batendo a porta com força.
Logo em seguida a filha saiu de casa. E dirigiu-se diretamente ao negociante do vestido de seus sonhos. Pois estava disposta a comprá-lo custe o que custasse. Quando lá chegou viu uma mulher extremamente elegante e com aparência muito rica, acompanhada de uma serva. Ela havia separado vários vestidos, entre os quais estava aquele vestido de noiva tão almejado.
A moça se aproximou da mulher e falou numa voz trêmula, apontando para o vestido: “Por favor senhora, não se zangue comigo, mas eu vim aqui especialmente para comprar esse vestido aí para o meu casamento.”
E a senhora então disse: “Como você é bonita e certamente ficará linda neste vestido de noiva. Deixe-me dá-lo de presente de casamento para você.”
“Não, eu só queria que a senhora me deixasse comprá-lo”.
A mulher insistiu em querer presenteá-la e disse: “Eu queria que você viesse comigo até lá em casa para eu poder ver como você vai ficar linda vestida nele.”
A moça ficou radiante e logo pensou em como a mãe iria ficar alegre quando ela soubesse. E de lá saíram numa carruagem, até chegarem numa mansão enorme que mais parecia um palácio. A moça nunca havia imaginado que pudesse existir algo de tão luxuoso e vistoso. Começou a olhar em volta, dentro da casa, de um lado para o outro, para ver se era verdade tudo aquilo. A senhora tirou o vestido do cabide e pediu à moça que o provasse, abrindo uma porta para um dos quartos. As paredes eram todas espelhadas e a noiva podia se ver de todos os lados. Ela fechou a porta, tirou o seu vestido surrado e pôs o novo.
O vestido era realmente maravilhoso, com fios de ouro e prata e um bordado discreto e muito especial. E ela se sentiu não como uma noiva mas como uma verdadeira princesa. Então tentou abrir a porta para sair e mostrar para a senhora como havia ficado naquele vestido. Mas a porta estava trancada.
Já era noite e a moça ainda não tinha voltado para casa para o jantar. Os pais ficaram muito apreensivos com a chegada do Shabat, véspera do casamento. Eles saíram correndo para o rabino, que recomendou que respeitassem o Shabat, como faziam normalmente, e continuassem com todos os preparativos para o casamento. E assim fizeram.
O rabino místico então teve um sonho no qual ele procurou, através da Cabalá, descobrir porque a moça havia desaparecido e o que tinha acontecido com ela. E, nesse sonho, lhe veio a luz do mistério.
Vendo o noivo chegando com a família, e nada da noiva, o rabino puxou-o de lado e perguntou se ele estava disposto a arriscar a sua alma por ela. O noivo disse que sim e os dois pegaram uma carroça e saíram em disparada para fora da cidade.
Chegaram num terreno e, no centro dele, o rabino colocou o noivo, dizendo para que de lá não se mexesse. Aí o rabino demarcou um grande círculo em volta do noivo e falou gravemente:
“Saiba que sua noiva foi seqüestrada por Lilith, rainha dos demônios, para ser noiva do filho dela, que também é o filho de Asmodeus, rei dos demônios. Você é a única salvação, pois só aquele que se dispõe a arriscar a sua própria alma por ela pode tirá-la desse enorme perigo.”
“Agora eu vou embora. Logo em seguida você verá um grande número de demônios. Todos irão humilhá-lo, xingá-lo e tentar machucá-lo. Mas não tenha medo deles e não procure revidar nada, pois esse círculo o protegerá.
Depois surgirá uma carruagem dourada conduzida por um cego de um olho só. Ao lado dele estará o Rei dos Demônios. E você olhará diretamente para ele e perguntará “Por que você raptou minha noiva?” E não importa o que houver, não desvie, nem por uma fração de segundo do olhar de Asmodeus.”
E aconteceu exatamente como o rabino havia previsto. Ao perguntar, tremendo de medo, “Por que você raptou minha noiva?”, veio a resposta “ Porque a mãe dela me deu ela de presente e, ela própria, resolveu ficar no meu palácio para sempre.” Olhando fixamente para os olhos de Asmodeus, o noivo respondeu: “Isso é mentira porque a Ketubá, o contrato de noivado, já foi assinado entre nós dois e também não acredito que a minha noiva preferisse ficar prisioneira no seu reino.”
Nisso ouviram-se gritos, urros, lamúrias, que o noivo logo deduziu serem de sua noiva, mantida presa naquele lugar. E, se tivesse olhado para trás, teria visto a sua noiva enterrada viva só com a cabeça do lado de fora.
Aquela situação deu novas forças ao noivo que, cheio de coragem, olhando duramente nos olhos de Asmodeus lhe disse.” Ela é minha, não é sua e ela sairá daqui comigo.”
Nesse instante o Rabino voltou, acompanhado de seguidores da comunidade, e retiraram a noiva de onde estava enterrada, sem que os outros demônios nada fizessem. Ela ainda estava vestida com o amaldiçoado vestido de noiva, agora cheio de vermes e sanguessugas. Ela então colocou uma roupa limpa que eles lhe haviam trazido. No mesmo momento todos os demônios desapareceram, inclusive Asmodeus.
Só então é que o rabino retirou o noivo do centro do círculo abençoado - prática comum à feitiçaria chssídica - e voltaram para celebrar o casamento, com a noiva chorando de alegria durante todo o caminho de volta.
A noiva vestiu o vestido que havia pertencido à sua mãe. Dizem que nunca se viu uma noiva tão linda como aquela.