INTRODUÇÃO
A primeira história que contei para os meus netos Rafael, Felipe e Miguel foi a de “O Médico e o Monstro”, de R.L. Stevenson. O meu objetivo era apaziguar os ânimos que estavam exaltados e tive bastante êxito nesta empreitada.Ficavam especialmente atentos toda vez que o médico se transformava no horripilante Mr. Hyde. Tive que repetir várias vezes a história, agora recheada de perguntas, os inevitáveis “não entendi e por quês”.
Uns dias mais tarde me pediram: “Vovô, conta outra história”.
Perguntei se eles já haviam ouvido falar de Abel e Caim. A professora de hebraico já tinha contado para eles como Caim havia matado o irmão Abel. Perguntei para eles se a história de Abel e Caim não lembrava a do Médico e o Monstro. “É mesmo”, me responderam. Abel era o médico e Caim o monstro. Parei por aí.
“Vovô, conta! Vovô, conta!”. Por que não colocar no papel, ou melhor no computador, os “Vovô Conta” que me vinham à mente, recheados de tinturas de judaísmo, com suas lendas, mitos e contos, na melhor tradição de nossos sábios?
Quando eu vinha com um papel impresso na casa dos meus netos, eles me perguntavam se era um novo “vovoconta”. Isso me deu alento para continuar a escrever.
A Torá é um verdadeiro manancial de histórias. Adão e Eva, os sonhos do Faraó interpretados por José, a travessia do Mar Vermelho, o Bezerro de Ouro são pérolas extroardinárias.
A Agadá do Talmud é outra inesgotável fonte de histórias, assim como o Midrash e, com o advento da Cabalá, o misticismo passou a fazer parte integrante do folclore judaico.
O judeu é essencialmente um contador de histórias, pois a sua tradição emana daquilo que vai passando de geração em geração e solidifica essa herança.
Na sinagoga, quando é Shabat, lê-se a porção semanal da Torá e, antes do Mussaf, o rabino da congregação tece comentários sobre aquela Parashá, dando a sua interpretação. Essa mesma porção é lida todo ano e os comentários são sempre diferentes, o que mostra como os judeus reinventam a mesma história, ou seja contam uma história da história.
Mas o mais intrigante é que antes de começar a prédica propriamente dita, o rabino quase sempre começa com uma história, mantendo a tradição de nossos mestres e sábios.
O Baal Shem Tov, Mestre do Bom Nome, fundador do Chassidismo, quando consultado por alguém que tivesse algum problema ou dúvida, sempre respondia “Deixe eu lhe contar uma história”. Quando terminava, a resposta estava contida naquela parábola. Os seus discípulos e descendentes também foram grandes contadores de histórias e parábolas.
Elie Wiesel, prêmio Nobel da Paz, quando perguntado sobre o que restava de uma história quando ela terminasse, respondeu : “Outra história”.
Aproveitando o gancho do Wiesel ouçam uma outra história, de autoria do Maguid de Dubno. Não se trata apenas de uma parábola, mas uma parábola sobre parábolas.
Num Shtetel, viviam a Verdade e a Parábola. A Verdade andava o tempo todo nua, mas ninguém lhe dava a mínima importância nem conversava com ela. Ela não tinha amigos. Já a Parábola andava muito bem vestida, com muita elegância e era a alma mais popular do vilarejo. A Verdade vai procurar conselho com a Parábola. A Parábola lhe diz ”Como é que você espera que alguém lhe dê atenção se você anda por aí toda nua?” E então a Parábola separa algumas roupas e dá para a Verdade vestir. De repente todo mundo começa a falar com a Verdade.
“Eu não distorço a verdade, eu apenas a visto, porque ninguém quer ouvir a verdade nua e crua”, finalizou o Maguid.
Ainda do mesmo Maguid, respondendo por que ele sempre tinha a história perfeita que cabia como uma luva no assunto em discussão. “Primeiro, eu leio uma porção de histórias. Eu ouço uma porção de histórias. Eu procuro guardá-las todas na minha cabeça e somente quando eu encontro uma história que me chama especialmente a atenção e a necessidade de contá-la é que eu introduzo o assunto para o qual eu tenho a história perfeita”.