príncipe ou peru
Era uma vez um rei muito poderoso e rico. Seu reino cobria uma vasta extensão de terras, algumas conquistadas dos reis vizinhos, seus inimigos, que queriam usurpar seu trono. Além de ser um grande comandante de seus exércitos, era também amante da literatura e das artes. E era considerado pelos seus súditos um homem muito justo.
Cercou-se dos melhores mestres para que instruíssem e preparassem seu único filho, o príncipe herdeiro, para sucedê-lo quando chegasse a hora.
Mas um dia seu filho enlouqueceu e imaginou que havia se transformado num peru.
Ele tirou a roupa toda e sentou, nuzinho, debaixo da enorme mesa que ficava na sala do trono real.
Recusava qualquer comida que lhe ofereciam. Passou a se alimentar de sementes, grãos de aveia e algumas folhas. Afinal era um peru e é isso que um peru come.
Vocês já podem imaginar o desespero do seu pai, o rei. Primeiro todos os mestres, conselheiros e pessoas influentes da corte tentaram de tudo ao seu alcance para acabar com essa loucura. Mas o príncipe havia pirado de vez.
O rei, desesperado, mandou então seus emissários percorrer o reino à procura de médicos, curandeiros, feiticeiros, mágicos e quaisquer pessoas que pudessem curar o príncipe desse terrível mal.
Durante um mês, diariamente, dezenas de ilustres e desconhecidos médicos, feiticeiros e até bruxos aproximaram-se do príncipe e tentaram de todas as formas possíveis e imagináveis estudar a causa dessa doença para poder curá-lo. Mas nada conseguiram.
O rei já não conseguia mais se alimentar direito e estava perdendo as esperanças, quando um dos emissários lhe enviou uma nota dizendo que um certo homem, num vilarejo perdido nos confins do reino, afirmava ter a solução para a cura do príncipe.
Depois de vários dias de viagem, o emissário apareceu acompanhado daquele que seria a última esperança para acabar com a doença do príncipe. O homem se vestia modestamente, seus passos e movimentos eram lentos, e logo que se aproximou do rei e começou a falar via-se que se tratava de um erudito e sábio homem, cujo nome era Eliezer Ben Yossef.
E, em seguida, tirou a sua própria roupa e sentou-se debaixo da mesa ao lado do príncipe. Pegou algumas sementes e grãos de aveia e começou a comer. O príncipe perguntou ao homem quem ele era e o que estava fazendo ali. Respondeu o nosso sábio homem: “E quem é VOCÊ e o que VOCÊ está fazendo?”
O príncipe logo lhe respondeu, sem titubear: “Eu sou um peru”.
Ao que o homem lhe disse: “Eu também sou um peru”.
Assim os dois perus ficaram ali sentados, debaixo da mesa, um se acostumando ao outro. O santo homem, sentindo que estava ganhando a confiança do príncipe, sinalizou para o rei, bem próximo, que lhe trouxessem uma camisa. Vestindo a camisa, ele disse para o príncipe: “Você provavelmente acha que um peru não pode vestir uma camisa, não é? Mas eu afirmo que pode e nem por isso ele deixa de ser menos peru”.
O príncipe impressionou-se com essas palavras e também concordou em vestir uma camisa.
Passados alguns minutos o nosso rabi indicou que lhe fosse trazido um par de calças. Após vestir as calças, disse para o príncipe: “Você acha que é proibido um peru usar calças? Mesmo de calças ele continuará sendo um perfeito peru.”
O sábio homem falava com tanta convicção que o príncipe também vestiu um par de calças. E não demorou muito para que colocasse o resto da roupa, sempre seguindo o exemplo do homem.
Um tempo depois o Maguid pediu que lhe fosse servida a comida que se encontrava na mesa. E começou a comer, dizendo para o príncipe: “Você realmente acha que um peru está proibido de comer essa deliciosa comida? Muito pelo contrário, pode-se comer do melhor e ainda assim ser um autêntico peru.” Ouvindo as sábias palavras, o príncipe começou a se servir e comer como um ser humano.
E o diálogo logo em seguida prosseguiu com as palavras do sábio homem: “Você realmente acha que um peru está condenado a sentar-se debaixo da mesa? Mas é claro que não. Um peru pode andar por onde ele quiser e ninguém irá reclamar”. O príncipe pensou um pouco e aceitou a sugestão do sábio homem. Levantou-se e caminhou como um ser humano pela sala do trono, e finalmente voltou a se comportar inteiramente como um ser humano.
O rei chorando de alegria, vendo o filho curado, abraçou-o e disse: “Daqui para frente eu vou passar mais tempo com você e ensinar tudo aquilo que eu sei.”
E, dirigindo-se ao sábio homem lhe disse: “Sei que não há preço que possa pagar e retribuir pelo que você fez por mim e por meu filho. Mesmo assim, diga-me o que deseja, que lhe será concedido”.
O nosso sábio homem então pediu:”Gostaria que vossa majestade publicasse um édito, condenando a perseguição aos judeus em todo o seu reino, permitindo que todos possam viver livremente e exercer as suas atividades normais, seus credos e desenvolver seus estudos.”
Na mesma hora o rei chamou seus mais chegados conselheiros para que redigissem imediatamente o decreto e que fosse distribuído por toda parte.
O príncipe sucedeu ao seu pai, o rei, e dele herdou, além do trono, todas as qualidades morais, tornando-se um rei muito justo e querido por todos os seus súditos. E durante o seu reinado os judeus finalmente viveram em total paz.